Crítica | M-8: Quando a Morte Socorre a Vida


Longa brasileiro acentua debate sobre racismo no Brasil e traz a jornada de um jovem negro estudante de medicina que sente na pele as consequências de estar em um ambiente majoritariamente branco, elitista e racista.


Baseado no livro homônimo de Salomão Polakiewicz, M-8 - Quando a Morte Socorre a Vida (2019) é um filme brasileiro de suspense dirigido pelo cineasta Jeferson De e protagonizado por Juan Paiva, que dá vida ao jovem Maurício. Negro e morador da periferia carioca, Maurício é estudante cotista de medicina em uma prestigiada universidade federal no Rio de Janeiro.

Logo no primeiro dia na faculdade, Maurício tem uma aula que mexerá muito com sua cabeça. Atrasado, ele abre a porta e se depara com uma sala cheia de colegas brancos e percebe ser o único negro. O único negro vivo. Isso porque para as atividades da disciplina, há três corpos disponíveis para estudos: todos eles negros e provavelmente de indigentes.

Na aula de anatomia, Maurício (Juan Paiva) se depara com três corpos negros no laboratório. Créditos: Divulgação / Migdal Filmes / Paris Filmes

Essa dura realidade faz Maurício se sentir deslocado e muito afetado psicologicamente com o fato de ter que manusear um corpo semelhante ao seu tom de pele, fato que não incomoda nenhum dos seus colegas, que nunca pararam para pensar o porquê de haver apenas corpos pretos mortos na sala de aula para estudarem. No decorrer do longa várias brechas nos dão sentido ao que está por vir e que justifica tanto a angústia de Maurício por saber a origem daqueles corpos, em especial o do que seu grupo ficou responsável, nomeado de M-8 (Raphael Logam).

Não é de se estranhar tamanha semelhança com a realidade paralela brasileira que De quer apontar nesse novo filme. Protestos de mães negras em busca de filhos desaparecidos; os servidores de baixa remuneração da universidade são negros: representados pela secretária Ilza, vivida pela espetacular Zezé Motta e funcionários da limpeza do laboratório Sá (Ailton Graça) e Sinvaldo (Alan Rocha); colegas de Maurício em sua totalidade possuem carro próprio enquanto ele utiliza transporte público; dentre outros exemplos.

Maurício, estudante cotista de medicina em uma universidade federal carioca, é o único aluno negro de sua turma. Créditos: Divulgação / Migdal Filmes / Paris Filmes

O racismo estrutural é bem presente e vai desde a universidade que não questiona como alguns corpos são doados ou encaminhados para as aulas de anatomia até policial negro que num chamado de denúncia, espanca Maurício no canteiro da rua de um bairro da classe alta carioca sem que ele sequer tenha cometido algo. 

Há ainda uma forte ligação com a espiritualidade representada pela religiosidade da mãe de Maurício, Cida (Mariana Nunes), que pratica a Umbanda. Aliás, Cida e Maurício vão protagonizar alguns dos momentos mais emocionantes de todo o longa que nos causa verdadeiros arrepios e até choro.

Cida (Mariana Nunes) é uma mãe solo dedicada e guerreira, retrato de muitas mães do Brasil. Créditos: Divulgação / Migdal Filmes / Paris Filmes

Na busca pela verdadeira identidade de M-8, Maurício conta com a ajuda de seus colegas Domingos (Bruno Peixoto) e Suzana (Giulia Gayoso), com quem se envolve amorosamente. Durante essa jornada, por muitas vezes ele repensa o seu lugar na sociedade, pois sabe que poderia ter sido ele ou qualquer um de seus amigos do bairro, fadado a ser indigente e objeto de estudo por jovens brancos ricos que serão os futuros médicos do Brasil e depois teria seu corpo enterrado em uma vala comum após sequenciais violações.

Mesmo tendo como norte a reflexão sobre preconceito e exclusão que Maurício sofre, o longa-metragem traz brilhantemente questões universais sobre sentimentos e relacionamentos envoltos entre os personagens. Homenagens indiretas também estão presentes, como um grafite próximo à casa de Maurício de Marielle Franco, vereadora do Rio assassinada em março de 2018 junto com seu motorista Anderson Gomes, cujo crime ainda não foi solucionado e não se sabe quem mandou matá-la.

Suzana (Giulia Gayoso) se apaixona por Maurício, mas carrega consigo preconceitos herdados da família, apesar de estar em constante evolução. Créditos: Divulgação / Migdal Fimes / Paris Filmes

M-8 é um filme altamente necessário e veio em um ano que parte do mundo despertou sobre a questão racial e o quão absurda é a desigualdade entre negros e brancos nas mais diversas camadas sociais: somos os que mais morrem, os que menos recebem e apenas recentemente alcançamos amplo acesso às universidades públicas brasileiras graças ao sistema de cotas raciais e sociais. Esse abismo teve um grande eco ressoando pelas mídias sociais em junho com o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) que perdura até o presente momento e não pode morrer. O final de M-8 é lindo e surpreendente.

O filme é uma produção da Migdal Filmes e da Paris Filmes. Além dos personagens e atores citados, integram o elenco Fábio Beltrão, Malu Valle, Dhu Moraes, Henri Pagnoncelli, Pietro Mario e Higor Campagnaro. Léa Garcia, Rocco Pitanga e Lázaro Ramos fazem participações especiais. M-8 - Quando a Morte Socorre a Vida estreia dia 3 de dezembro e você pode conferir o trailer do longa abaixo.

Nota ⭐⭐⭐⭐⭐ 5/5



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