Crítica | Babenco - Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou

Escrito por: Adam William

Constatar a poesia intrínseca no documentário Babenco - Alguém tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou é algo incrivelmente belo de se ver. Hector Babenco, diretor argentino que fora naturalizado brasileiro é um dos grandes nomes do cinema nacional e seus filmes o precedem, com produções como Pixote: A Lei do Mais Fraco, Carandiru e, claro, O Beijo da Mulher-Aranha que chegou a ser premiado com o Oscar de melhor ator. Felizmente, para aqueles que tiveram pouco ou nenhum contato com a obra de Babenco, o documentário não será inacessível, uma vez que ele muito mais intimista do que necessariamente biográfico. Uma escolha mais do que acertada da diretora Bárbara Paz, esposa de Babenco, que faz sua estréia na direção de forma primorosa.


No filme, Paz estabelece dois “retratos” de Babenco, por assim dizer, compondo uma única narrativa que retrata os últimos dias do cineasta, falecido em 2016 após sofrer um enfarte. O primeiro destes seriam os momentos de Babenco no hospital, já debilitado, onde inclusive a dupla debate sobre as abordagens do documentário: Bárbara defende que a obra é sobre a vida de Babenco, enquanto ele insiste que é inspirado por sua vida, palavra que ela é completamente aversa. Já o outro retrato é menos pessoal, onde o diretor disserta sobre sua própria história e carreira. Neste ponto, a montagem faz cirúrgicas inserções de trechos de seus filmes, contextualizando suas falas, além de complementar para o espectador quem era o homem por trás das câmeras. Após compreender o valor do cinema para Babenco, não é difícil se emocionar nos momentos que o mostram comandando um set de filmagem, ou dialogando com atores a fim de direcionar a atuação destes.



Esse amor pelo cinema é a grande bússola emocional do documentário. O sentimento de brevidade, passado pela conscientização da perda e da morte do cineasta, mescla-se ao sentimento de legado. Ao partir, já era claro que Babenco deixaria uma herança gigante para a sétima arte, uma herança artística para os espectadores antigos e novos que poderiam se deparar com suas obras. Mas em uma das mais divertidas cenas do filme, vemos o diretor ensinando seu ofício para sua esposa, lhe explicando sobre a abertura da lente da câmera e como isto interfere no foco. É uma cena rápida, mostrada como um diário íntimo da dupla, mas traz consigo um enorme sentimento, já que ao assistir ao documentário e constatar o talento da atriz-diretora, pode-se sentir também uma influência de Hector Babenco. É parte de seu talento, passado adiante, para brindar o público e o cinema com algo mais, mesmo após sua partida.


Conforme as linhas vão se amarrando principalmente em sua segunda metade, a obra ganha tons ainda mais oníricos enquanto passa a amarrar, no documentário, cenas do último longa do diretor, Meu Amigo Hindu. Este que já possuía uma veia autobiográfica, como bem demonstrado pela produção de Bárbara Paz. Assim, quando cenas do filme de 2016 são costuradas às imagens inéditas, alternam-se na obra o próprio Babenco e Willem Dafoe protagonista de Meu Amigo Hindu e produtor do documentário, enquanto a voz do cineasta ecoa ao fundo. Em dado momento, o diretor conta de um sonho que teve sobre sua morte. Em outro, afirma que está “fazendo o filme como se fosse meu último: eu tenho que falar de mim”, referindo-se ao documentário. É uma forma intrigante, e bem efetiva, de ressaltar que o diretor estava mais do que presente não apenas enquanto objeto do documentário, mas também por trás das câmeras.


Babenco - Alguém Precisa Ouvir o Coração e Dizer: Parou é uma obra muito tocante e pessoal, mas que traz consigo uma carga emocional enorme para o público. Testemunhar os dias de Hector Babenco de forma tão íntima através de um olhar tão apaixonado quanto o oferecido por Bárbara Paz, cria uma experiência bastante particular. Não apenas pela dupla, mas pelo sentimento que ambos demonstram para com a própria arte, uma relação tão pura quanto possa parecer. É, afinal, como o próprio cineasta diz calmamente ao final da obra: “Eu já vivi a minha morte. Só falta fazer o filme.”


Nota ⭐⭐⭐⭐ 4.5/5




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